quarta-feira, 14 de outubro de 2009

Dia 07



Para companhar melhor esta série recomendo a leitura do Prólogo.

Creio que foi no discurso da noite anterior que falou-se sobre o Buda Gautama dormir pouquíssimo, tipo 1, 2 horas ou simplesmente não dormir. Todas as noites antes do último período de meditação ouvíamos a um discurso com temas variados relevantes à prática, além partes da história de vida do Sidhartha Gautama. Seria a parte teórica de tudo, mas que eles também não gostam de dar mais ênfase que o necessário, pois como bem dizem Vipassana não pode ser um jogo intelectual, o foco é na prática e na experiência de cada um, o que você conseguir aprender com a sua própria experiência serão os ensinamentos mais valiosos que terá com esta prática.

Bem, dizia o discurso que, ainda assim, quando dormia o Buda ficava consciente. Achei aquilo tão interessante, não tinha este conhecimento, e com a experiência que havia tido com a meditação até o momento achei que fazia bastante sentido. Nossa, pra quê fui me ligar nisso? Neste dia tive uma das noites "de sono" mais estranhas da minha vida! Eu não sabia se dormia ou se estava acordada, e em diversos, vários momentos da madrugada eu ficava me dizendo, assim, meio espantada, meio que para me informar para mim mesma, que eu estava dormindo mas que estava consciente, e que na verdade estava tudo ok. Bem, sabe Deus o que aconteceu com a minha mente naquela noite, mas a sensação que tive foi de que não dormi mesmo, vi a noite passar consciente, mas acordei normalmente, bem disposta e sem sono. Ah, ok, sem mais sono que o normal...

Bichos por toda a parte

Durante o curso devemos observar o Código de Disciplina e, dentro dele, seguir cinco preceitos: abster-se de matar qualquer ser; abster-se de roubar; abster-se de toda atividade sexual; abster-se de mentir; abster-se de todo tipo de intoxicantes. Acontece que a essa altura estava achando estranha e curiosa esta experiência de não matar. No começo é meio desesperador: imagine ver diversos mosquitos se aproximando e não fazer nada, dormir sabendo que tem vááários pousados na parede ao lado da sua cama só esperando o banquete cair no sono pra atacar (e sim, sou alérgica a picadas de mosquitos...). Mas por outro lado fiquei pensando no monte de insetos que eu já matei na minha vida inutilmente. É que "não podendo" matar nada você vê que muitos insetos chegam próximo a você mas logo em seguida vão embora, é só esperar um pouquinho ou se esquivar em vez de entrar em pânico e esmigalhar os bichinhos.

Outra coisa muito interessante sobre isso foi enfrentar o medo de certos bichos. Sempre tive verdadeiro horror a sapos - outro dia conto o trauma de infância... - mas depois de ter que pegar e soltar uma perereca (com o kit salve-insetos fornecido pela organização: um pote e uma bandejinha) percebi que os sapos pulam pra frente (vejam, depois de 10 dias sem falar num espaço físico restrito, alguns fatos aparentemente muito óbvios começam a soar como grandes revelações a respeito da verdade do mundo e das coisas). Ora, se pulam pra frente era só soltar a perereca com o seu focinho voltado para onde eu quisesse que ela pulasse (pra longe de mim, claro...). Batata! Fora isso a experiência me deu direções de como me movimentar perto de um sapo: simplesmente passar por trás dele. Isto foi comprovado e já experimentado em viagens posteriores.

Fuga??!?

Fora os momentos mágicos de revelações e contatos com grandes verdades universais, vez por outra eu me via com uma baita vontade de fugir. Assim, do nada, batia a maior vontade de largar tudo, pensava que estava numa furada, no meio de um bando de loucos, não precisava passar por nada daquilo, minha cama em casa era tão quentinha e macia, vai... Nessas horas era preciso disposição, força de vontade e uma certa dose de coragem para seguir em frente: não sabia aonde aquilo pretendia chegar, aonde eu ia parar, e, principalmente, SE eu ia chegar lá. Reunia então todas as forças e o tico de autoconfiança que ainda me restava e decidia continuar.

Era assim como em muitas situações na vida, quando nos deparamos com algo difícil e que requer esforço de nossa parte, por mais que estejamos imersos em algum tipo de caos mental achando que não há saída, na verdade quase sempre é muito fácil fugir, deixar para lá, abandonar e arrumar outra coisa mais interessante para fazer (e ali no retiro era só ligar pro taxista que me levou pro centro de meditação e que nos aconselhou a anotar seu telefone em caso de alguma emergência, ao mesmo tempo em que relatava diversos casos de desistência). Mas algumas dessas situações temos simplesmente que enfrentar e, o que é pior, às vezes sabemos que temos que enfrentar e exatamente o que fazer e a perspectiva de realizar este esforço não é nada animadora. No final, esses diversos ciclos vontade de fugir - parar - pensar - encarar o tranco - ficar me ajudaram a encarar, após o retiro, diversas dificuldades como parte de uma coisa maior, sorrindo (às vezes literalmente), quase aproveitando aquilo como parte importante do fácil-difícil-fácil-difícil... A algumas, a outras dificuldades ainda não... ;)

Estranhíssimo...

Imagine que por volta deste dia eu já estava sensível a diversas sutilezas, tanto na meditação (às sensações...) quanto no dia-a-dia, que me passavam despercebidas. Percebi, por exemplo, que eu penteava meu cabelo com muita força, sem necessidade. Passei a fazê-lo com mais delicadeza e o que antes, para mim, sem perceber, era um momento com uma certa tortura passava a ser um momento agradável.

Na meditação isso se refletia na percepção de muitas coisas. A respiração, por exemplo, às vezes era tão fina e tão pouca que parecia que eu nem estava respirando (o que às vezes me dava um certo medo). E outra experiência que tive me deixou super intrigada: eu tive uma sensação no peito do lado esquerdo, mas assim, não na superfície, mas por dentro, de uma "coisa" do tamanho de umas duas esponjas encharcadas de um líquido quente e consistentes que se movimentavam de forma ritimada juntamente com um leve som e pulsação no corpo inteiro. Enfm me toquei que era uma sensação de coração, mas assim, não o coração que estamos acostumados a perceber colocando o ouvido no peito de alguém e ouvindo tum-tum... Era um músculo, com movimentação - e som! - de uma espécie de esponja. Imagine tudo junto: forma, som, consistência, quente, movimento. Comecei a analisar aquilo então com esta perspectiva e a sensação se perdeu quase que imediatamente.

Fiquei super-hiper-bolada e na hora do almoço corri pra a entrevista com a professora pra perguntar se seria possível que fosse, de fato, o meu coraçãozinho, assim, numa mistura de medo e emoção. É que até aquele momento as instruções que recebíamos antes de meditar só falavam em sensações na superfície do corpo, imagine ver e sentir por dentro. A professora então ouviu atentamente ao meu relato e disse, impassível: "Sim, é possível que você sinta muitas sensações de todo o tipo, diferentes sensações, mas não dê importância a elas, o que importa é a sua equanimidade."

Claro, fazia muito sentido! Você percebe, assim, por auto observação, uma coisa que geralmente necessita de equipamentos de últimageração da medicina para ser mostrada e não deve dar a mínima, putz... Mas sim, sim: a prática é justamente consciência e equanimidade, as duas devem andar juntas ("como duas pontas da asa de uma águia, duas rodas de uma carroça..."). Uma mais que a outra, não há equilíbrio.

As sensações existem, e passam, não há porque ter aversão, não há porque ter apego. Compreendido isto no nível intelectual, o conselho da professora não surtiu grande efeito imediato, e eu só pensava/buscava as tais sensações inimagináveis, maravilhosas, mais e mais novas descobertas. Obviamente isso só me distanciava mais delas e da minha atitude relax que tanto havia me ajudado. De volta à confusão e conflitos mentais: uma parte busca as sensações a outra parte tenta convencer a primeira a deixar disso. E neste exato momento começava a rever o conceito de que "adoro minha própria companhia"...

Continue a acompanhar minha saga no Dia 08.

Foto bichos: http://en.wikipedia.org/wiki/File:Insect_antennae_comparison.jpg
Outras fotos: http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EDG80874-8055-503-1,00.html

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