quarta-feira, 2 de setembro de 2009

Dia 03

Para acompanhar melhor esta série recomendo a leitura do Prólogo.

Mais chuva

Com o tempo ruim, o povo (participantes) começava a ficar resfriado, por fim até a professora ficou resfriada. De minha parte fiquei com um certo pânico de ficar também, pois se a vida já era difícil através de um nariz que respirava direito, imaginem através de um nariz entupido e fungão. Além disso, a partir daqui comecei a andar sempre com cachecol embrulhando/lacrando a garganta, mesmo quando esquentava um pouco (o que era raro). É que se eu der mole pra minha garganta corro o risco de ter amigdalite. Já tive algumas vezes, fico passada, imprestável, um farrapo humano, seria o fim se eu tivesse naquele momento.

Não é permitido fazer qualquer tipo de atividade física no centro, e nisso eu tinha cada vez mais vontade de fazer uma caminhada, dar uma corridinha, tai chi, karate, ginástica, uma dancinha, qualquer coisa. Nos primeiros dias eu aproveitava os intervalos pra ficar zanzando no jardim, um ensaio de caminhada pois o espaço não era grande e a geografia era bem esquisita, cheia de caminhos e escadinhas. Reparei que havia uma subida íngreme meio por trás do caminho principal que dava numa escada que descia pro refeitório, e dali podia-se dar meia volta descendo outra escadinha e retornar ao início da tal subida íngreme. Por vezes eu ficava rodando este caminho circular pois era a única brecha de algum esforço físico disfarçado que dava para fazer. Com a chuva lá se foi minha academia privada. Dediquei-me então a varrer mais, e além do quarto, agora eu varria um pedaço da varanda também, às vezes os tapetes da entrada do banheiro quando alguém já não tinha varrido (de acordo com as instruções dos organizadores na chegada, não é esperado que se faça grande faxina no período do retiro, mas você pode ajudar em alguma pequena tarefa ou outra...).

A meditação? Ah sim... voltando...

Eu seguia a prática, claro. E neste dia tive uma espécie de insight que foi devidamente vetado quando, no meio do dia, resolvi comentá-lo com a professora na entrevista particular. No horário de almoço havia espaço para perguntas individuais para a professora, à noite as perguntas eram feitas com todos presentes na sala (eu nunca ficava nestas horas, ia dormir direto). Bem, minha experiência anterior com meditação era praticar durante pouco tempo e, ainda por cima, haviam sido poucas vezes. Com a prática no centro eu me perguntava se seria o propósito continuarmos a observar a respiração o tempo todo, fora da sala de meditação, caminhando, executando tarefas, comendo... Como se fosse uma extensão da meditação. Isso não havia sido falado nas instruções. Comentei isto com ela e ela me disse que não era esperado que fizéssemos isso, e que eu continuasse com a prática nos horários de meditação. Frustrei geral, achei muito sem graça, e fiquei me remoendo com isso. Pois bem, depois, lá no final e com a prática a gente vê que na verdade... nhum, deixa pra lá isso aqui, sabe... Enfim...

Nem tudo era frustração

Em meio ao caos, esperança! Uma sensação muito boa que tive foi quando num dos intervalos, eu estava no jardim e de repente vi que estava em paz. Sim, simples assim. É estranho mas estar verdadeiramente em paz num contexto como aquele em que eu podia considerar que estava sozinha, assim, comigo mesma, era algo que não me acontecia há tempos. Dei-me conta disto naquele momento pois me lembrei da última vez em que tive aquela sensação: estava sozinha em Geribá, sentada na beira do mar e de repente tudo me pareceu estar simplesmente bem.

Esse estar em paz não quer dizer que não se tenha problemas no momento, que não haja algo que te incomode, ou que os países tenham assinado um tratado de paz mundial. É algo como consciência do que se possui, gratidão, olhar para o passado e perspectivas para o futuro, porém com grande sensação do presente. Tudo ao mesmo tempo, e um ventinho no rosto, o mesmo da praia. Bom. Este momento "reencontro" foi tão importante pra mim que senti que havia valido a pena ter chegado até ali (ali local e momento, tempo, tudo...).

Momento divã

Uma (das) coisa(s) estranhíssima(s) que me aconteceu(ram) foi a percepção de que os meus pensamentos mais recorrentes e tristes em alguns dos períodos de meditação eram sobre o Ziggy. Sim, eu pensava muito no Ziggy e descobri no retiro que ele foi uma espécie de trauma que não foi bem trabalhado na minha vida. Ziggy foi o gato da minha irmã que depois virou gato da casa, e, como foi o primeiro, foi super hiper mimado e querido por todos.

Acontece que ele tinha uma doença rara congênita no coração e morreu com um ano e oito meses, mais ou menos. A morte dele foi muito sofrida, ele tinha dificuldade em respirar e, no final, de andar, mal conseguia se deslocar e dávamos comida e água em sua boca. Coisas e mais coisas e percebi que toda sua história e situação me afetaram mais que eu imaginava. afinal porque estaria eu no meio do retiro de meditação pensando recorrentemente num gatinho? E percebi: apego...

Continue a acompanhar minha saga no Dia 04.

Foto Dhamma Santi: http://farm4.static.flickr.com/3416/3254851999_178c6d6c1b.jpg?v=0
Foto Geribá: http://farm2.static.flickr.com/1274/557258813_4edd4050fc.jpg?v=0

2 comentários:

Anônimo disse...

Sensacional! Principalmente o insight do Ziggy!

Unknown disse...

Interessante relato.
Extremamente convidativo. Natureza, silêncio, meditação...
Gostei imensamente do texto, muito expressivo, humano, e verdadeiro.
Parabens pelas participações.

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